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by Orwin Author IconMail Icon
Rated: E · Fiction · Action/Adventure · #1265449
One of the fictions that help to build the Runner's life, story, surroundings, etc.
O Alvo


Smashing Pumpkings - Try, Try, Try

Não fazia muito tempo que aquele homem recostava-se no vidro da janela de seu apartamento. Seu braço direito amparava sua testa que dava conforto para que seus olhos vissem o invisível. Ele, apesar de observar a paisagem de ruas, casas e prédios que apresentava-se da janela de sua sala de estar, não via nada daquilo.

Antônio pensava e sonhava alto. Lembranças de sua infância e adolescência corriam em sua mente, deixando pouco tempo para serem aproveitadas. Ele sentia conforto em saber que tinha uma estória, que talvez, se tudo desse errado, ele seria lembrado.Uma vez ouviu de um amigo que a necessidade de reconhecimento fazia parte da essência do comportamento humano desde os tempos das cavernas. Ao lembrar-se disso, sorriu discretamente, dando ênfase a verdade que aceitara e tinha como certa.

Ele também queria ser reconhecido, por mais que tentasse afastar este pensamento. Sua vaidade poderia matá-lo. Era engraçado perceber que, em uma vida tão perigosa, até as coisas que partiam de seu interior poderiam lhe ser perigosas. Curiosamente, nada disso parecia afetá-lo naquele momento. Antônio continuava a fitar toda aquela paisagem que apenas complementava o que realmente lhe importava e que não saía de dentro dele.

Não faziam muitos dias desde que havia saído da última vez. Os hematomas persistiam, assim como ele. Tinha a mania de ser efêmero em suas atividades, nunca permanecendo por muito tempo na mesma situação. Era moldável e, ainda assim, atormentado por sua falta de raízes. Antônio não conseguia fazer de sua vida factual um reflexo de sua vida ideal.

O Presente fez-se anunciar quando as imagens de Renata vieram. Faziam 2 dias que não se falavam e, para ele, pareciam cinco minutos. Aflito, temia sufocá-la. Temia também explicar a situação e ver que a parte ruim da personalidade dela usaria isto contra ele. No mais, davam-se bem. Já faziam dois anos e eles tinham planos. Por mais que o senso de que tudo é incerto criasse impecilhos, Antônio terminava por pensar no amanhã.

Afastando-se da janela, viu que um bloco de anotações e uma caneta encontravam-se na mesa da sala. Havia deixado ali anteriormente e, dada a falta de uso, eles ali permaneceram por dias. Sentando-se, segurou a caneta e não hesitou:

Eu queria uma casa
Eu quero você dentro dela
Eu quero que você me queira como eu te quero
Eu sou impaciente, mas por você eu até espero
As vezes, eu só te entendo superficialmente
É nessas horas em que não sei mais se quero o que quero
Eu posso até não saber rimar
Mas eu sei querer e acreditar

Perplexo, terminou seu texto. Não costumava escrever, guardando o que escrevia em uma pasta em seu guarda-roupa, acima dos ternos e camisas sociais. Também não costumava usar ternos nem tampouco camisas sociais. O local era perfeito. Não sabia ao certo se sua perplexidade vinha do esforço de permitir que aquelas palavram aflorassem ou se vinha de achar que aquela coisa de escrever pseudo-poesias não combinava com ele, por mais elas fizessem parte de sua vida.

Voltando a seu quarto, viu na TV a notícia de mais um escândalo envolvendo homens de poder e prestígio. Raiva e desesperança tomaram-lhe: mesmo estando fazendo sua parte como cidadão e ser humano, ainda assim, faltava algo. Queria poder para resolver o que achava errado. "Besteira", pensou. Quem não queria poder naqueles dias? Era 2007 e o mundo era uno. A sede veio como a sede de vingança vem aos heróis dos quadrinhos: clara, mas tácita. Abandonando seu quarto, dirigiu-se a cozinha, sendo surpreendido pelo toque do celular que carregava em seu bolso. O sorriso em seu rosto denunciou tudo.

"Oi..."
"Oi bem...tudo bom?"
"Indo"
"Para onde?"
"O inferno e além!". Antônio ria debochadamente após tal afirmação
"Sai daí, seu aprendiz de Satanás! Estou com saudades"
"Eu também"
"Sério? Nem parece...você está estranho"
"É...estou. Eu não estou gostando de muita coisa que estou vendo"
"Feito o quê?"
"TV, jornal....Patrulha Policial"
"Você também só ver merda, né?"

Antônio riu, falando depois, em tom seco

"Eu preciso de ajuda"
"Eu sei, por isso eu ligo"
"Isto está com cara de sessão dos Alcóolicos Anônimos"

Renata falou em tom debochado:

"A diferença é o seu problema é existencial"
"É..."
"Você não quer vir para cá?Dorme aqui, aí eu te conto"
"Tudo bem, minha mãe viajou mesmo. Estou indo, beijo"
"Beijo"

Aquela breve sessão de palavras e emoções dava-lhe mais esperanças para a noite. Antônio queria acreditar que a presença de Renata o faria bem, que aplacaria seu vazio, sua sede, que ela lhe daria um alvo, afinal, não se é fácil atirar quando não se tem um.

Ao menos era o que Antônio acreditava após perceber que os seres humanos são muito menos arquetípicos do que a nossa ira e consciência costumam querer que
sejam.


Essa é a minha homenagem a você. É bom saber que você liga (em vários sentidos).


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